Hoje, o termo andragogia foi popularizado e tornou-se um hot topic dos campos da educação, psicologia, teorias organizacionais e desenvolvimento humano. Ocorre que como todo tema em voga, abordagens superficiais e um generalizado efeito dunning-krugger comumente acompanham a multiplicação de informações, atrapalhando um direcionamento mais respaldado da questão.
A ideia deste artigo é introduzir o tema da aprendizagem de adultos para, posteriormente, em cursos e outros conteúdos, aprofundá-lo no nível conceitual e prático, com a densidade que merece.
Por que uma disciplina específica para a educação de adultos?
Quando se pensa em educação e em como potencializá-la ao máximo, pressupõe-se ao menos 3 ideias:
- Existem níveis para a aprendizagem: as pessoas podem aprender melhor ou pior, mais ou menos, profunda ou superficialmente;
- Os níveis dependem do método: a qualidade do aprendizado pode ser potencializada ou enfraquecida conforme o método; métodos distintos resultam em qualidades distintas de aprendizagem e, consequentemente, dos resultados práticos que ela influencia;
- Os métodos derivam das teorias que se formularam (e estão ainda em progresso): métodos diferentes vêm de teorias de aprendizagem diferentes, que vetorizam e articulam diferentes princípios e premissas epistemológicas, psicológicas, antropológicas, sociológicas e filosóficas.
Ou seja, a necessidade de uma ciência que busque entender como as pessoas aprendem parte da premissa de que nem toda ação educativa é igual, e que há formas melhores ou piores de se conseguir resultados com isso.
A educação de adultos é diferente da educação infantil? Existe base para defender uma andragogia?
A discussão também passa por uma problemática que questiona se os princípios da educação de adultos devem ser diferentes da educação infantil. E se forem, em que nível devem ser. Eu defendo que sim: são diferentes e devem ser, embora o propósito deste artigo não seja o de expandir esse problema. Mas para fins do argumento neste texto, partiremos da premissa de que, apesar de existirem similaridades entre a abordagem com adultos e a abordagem infantil, os princípios são diferentes, pois denotam uma construção cognitiva, social e emocional também muito distinta entre os dois perfis de aprendizes.
O significado de andragogia
O termo andragogia foi usado pela primeira vez em 1883 por um professor alemão chamado Alexandre Kapp, em uma palestra, mas foi realmente popularizado entres as décadas de 50 e 60 por Malcom Knowles, um eminente educador americano cujo foco científico foi o de entender os princípios da aprendizagem adulta.
Em uma tradução dinâmica, Andragogia pode ser definida como a arte e a ciência de orientar adultos a aprender; de facilitar a aprendizagem de adultos (gr. andros = adulto, e agogus = guiar). Knowles foi um divisor de águas nesta importante ramificação dos estudos pedagógicos e, aqui, vamos abordar os princípios andragógicos, segundo Knowles.
Princípios da educação de adultos
Princípio #1: Necessidade de saber
Adultos precisam saber a razão pela qual devem engajar-se no aprendizado de qualquer assunto, disciplina ou competência. O próprio Knowles escreveu que adultos "investem uma considerável energia" só para averiguar a relevância de um certo objeto de estudo, antes de se propor a estudá-lo. Adultos buscam administrar seus investimentos de tempo e energia com muito mais criteriosidade do que o público infantil, de cujas preocupações, tempo, energia, demandas de trabalho, preocupações, escapam completamente.
Além disso, há o importante fator de sua vasta experiência própria, em contraste à experiência de vida de uma criança. Um adulto já viveu o suficiente para construir uma visão de mundo e acumular aprendizagens (certas ou erradas) de modo que se tornam muito mais criteriosos com a nova informação que recebem ou pretendem assimilar. Essa vivência o torna seletivo para determinar a validade do que há de aprender à luz do que conhecimento que já tem, e o impele a colocar tudo em uma balança de custo-benefício.
As mesmas circunstâncias levam o adulto selecionar com muito mais cuidado suas investidas em aprender algo novo - pois novos aprendizados frequentemente conflitam com conhecimentos já enraizados, e o enorme desconforto mental que essa dissonância cognitiva às vezes levanta não pode ser ignorado. Portanto, até mecanismos comportamentais de autopreservação entram na equação quando se trata da aprendizagem de adultos.
Implicações deste princípio para ações educativas
- Antes de pensar sobre a mecânica da ação, processos, políticas e facilitação, é preciso estudar formas de "vender" os benefícios daquele aprendizado para a audiência, por meio de uma comunicação efetiva e estratégica. Segundo pesquisas, até mesmo o nome de um curso pode influenciar ou repelir a participação e engajamento de um público.
- A forma correta de ajudar as pessoas a entenderem o que elas podem ganhar ao se envolver em um certo processo de aprendizagem não é veicular as características de uma ação ou curso, mas os benefícios que os participantes podem ter ao se engajarem.
Desafios especiais da área de aprendizagem, a partir deste princípio
- Treinar os especialistas que cuidam desta etapa de sondagem e levantamento, pois frequentemente suas abordagens são ludibriadas por viéses inconscientes dos entrevistados, ou por incompetência inconsciente (as informações que se consegue não vêm de uma investigação assertiva, mas das impressões do público envolvido - calha que essas mesmas impressões são, muitas vezes, superficiais recortadas). Os envolvidos na etapa de diagnóstico e levantamento não devem aceitar as primeiras explicações e hipóteses que recebem, mas devem ser capazes de ir mais fundo e conduzir conversas com os principais envolvidos.
- Os mesmos especialistas também devem ter a habilidade de identificar os principais envolvidos que podem realmente fornecer insights de diagnóstico, o que muitas vezes já é uma tarefa restrita por tempo, pressão de steakholders, recursos, etc. Pela mesma razão, esses especialistas precisam ter uma visão holística de negócios, da área, e de pessoas. Muitas vezes o que, a primeira vista, parece um problema de aprendizagem, é, na verdade, um gap processual. Ações educativas jamais iriam resolver o problema nesses casos. Embora bem intencionado, o público alvo raras vezes tem a robustez técnica para filtrar e endereçar seus próprios pontos de dor, e acabam assumindo que seus problemas devem ser, automaticamente, supridos por treinamento. Na realidade, na maioria das vezes não é o caso.
- Restrições comuns de um projeto, como tempo e pressão por resultados rápidos, sempre enfraquecem a área de Learning, que se vê tentada a suprimir as etapas de diagnóstico e levantamento, ou a acelerá-las. Como profissionais de aprendizagem podemos nos esforçar para atender aos steakholders e contratantes, mas saber gerenciá-los e educá-los quanto a importância de um bom levantamento é crucial. Muitas vezes o departamento de Learning precisará considerar rejeitar um pedido se isso significar uma entrega mal construída, cujos resultados fracos lhe servirão, no futuro, como testemunhos de oposição.
Segredos especiais e ninja hacks ligados a este princípio
- Um benefício que pretenda ser relevante para alguém só pode ser se os ganhos que se pode conseguir com aquilo supram exatamente as necessidades sentidas. E a única maneira eficaz de descobrir as carências das pessoas é não assumir nada sobre elas, mas buscar conhecê-las a fundo, por meio de um diagnóstico e sondagem. Ou seja, uma ação educativa que funcione começa não na ação em si, mas muito antes: nas etapas de diagnóstico e levantamento, com ferramentas e técnicas que possibilitem uma sondagem profunda e focada em análises de causa raiz.
- Ferramentas ou frameworks emprestados de outras disciplinas, como administração, marketing e empreendedorismo, podem ser surpreendentemente úteis aqui. E.g., Mapa de Valor Canvas (CMV), Design Thinking (sobretudo ferramentas para a etapa de empatizar, no design thinking).
- É preciso ter muito cuidado e técnica para traduzir os insights do público entrevistado em uma visão tecnicamente lúcida para a área de Learning, pois não raras vezes os entrevistados chegam, eles mesmos, com pseudo-soluções prontas, apontando inadvertidamente para onde deve-se seguir a estratégia educacional. Na realidade, o especialista na etapa de levantamento precisa não apenas ter a habilidade para despertar em seu cliente a consciência de que a solução é muito mais complexa e multifacetada do que ele imagina, muitas vezes caminhando para o lado oposto, quanto precisa ter a habilidade para converter objetivos de aprendizagem acessados em objetivos de negócio, ou objetivos da área. Somente os objetivos da área são apelativos para se engajar uma audiência em um curso. As pessoas vão se engajar em uma ação educacional se essa ação lhes ajudar a solucionar um problema real de seu cotidiano.
Conclusão
O público adulto possui características, necessidades, circunstâncias e anseios muito diferentes dos do público infantil. Tudo isso precisa ser considerado e transmutado em premissas, métodos e abordagens que lhes sejam específicas. Ou seja, existem certos princípios norteadores para a educação e desenvolvimento de adultos. E esses príncípios foram muito bem resumidos e elaborados pelo "pai da andragogia", Malcom Knowles.
Neste artigo olhamos de forma panorâmica o primeiro princípio andragógico do educador americano: a necessidade de saber, deduzindo a partir dele alguns desafios e dicas práticas para treinadores, desenhistas instrucionais e demais profissionais de aprendizagem e desenvolvimento humano.
Nos próximos artigos vamos abordar os outros princípios da educação de adultos, segundo Knowles.
Paulo é apaixonado por aprendizagem e atua como mentor de trainers e profissionais da educação corporativa. É também speaker e articulista sobre educação adulta, autodesenvolvimento, liderança e habilidades comportamentais. Possui especialização em andragogia e design instrucional. Como people enabler de orientação humanista, além de trabalhar em projetos de aprendizagem organizacional, atua individualmente com pessoas em processos de coaching. Compartilhe este artigo no LinkedIn e em suas redes pelos botões abaixo!