Neste segundo artigo sobre os princípios da andragogia será desenvolvido o que Knowles pontuou como o segundo princípio da educação de adultos.

Este artigo faz sequência ao primeiro da série - Princípios da Aprendizagem Adulta - Princípio #1: Necessidade de Saber. Caso não o tenha lido ainda, confira aqui.

Princípio #2: O Autoconceito do Aprendiz

Adultos têm um histórico de experiências significativamente mais denso do que o de uma criança. Todas as experiências por que passou e tudo o que conseguiu acumular de lições e aprendizados fomentam na pessoa adulta uma profunda capacidade de ser vista como tal, de ser reconhecida como autônoma, como capaz e como conhecedora de suas próprias necessidades e caminhos - ainda que tais percepções sejam ampliadas e distorcidas pelo viés de Dunning-Krugger); ainda assim, o adulto quer ser tratado como tal.

Existem circunstâncias nas quais uma pessoa adulta age com dependência e passividade, assumindo uma postura inativa e tímida diante de algumas situações desconhecidas. Mas isso se deve a um condicionamento sofrido na infância com as experiências escolares em aulas expositivas e monológicas. Quando confrontado em suas vontades, valores e escolhas mais conscientes, o adulto reage reassumindo sua autopercepção de independência e autonomia.

Tudo isso leva o adulto a ressentir-se de situações nas quais sua identidade e capacidade de autodireção são questionadas. Portanto, a pessoa adulta tem o seu autoconceito fundamentado nessa percepção.

Implicações deste princípio para ações educativas

  • O fato de o adulto ter um autoconceito fundamentado em sua autonomia e autodireção leva o designer de aprendizagem a reconhecer-se como facilitador e mediador do processo como um todo. Por isso, nas situações ideais, o próprio aprendiz adulto deve contribuir em todas as etapas do design - do projeto e identificação de necessidades até a assimilação de conteúdos em sala de aula. O aprendiz adulto participa do planejamento influenciando as escolhas e caminhos do designer.
  • Como parênteses, vale ressaltar que percepção não equivale a realidade, de modo que um aprendiz sentir necessidade de aprender Y não deve levar, imediatamente, o designer a inserir Y no planejamento, com todos os detalhes e apontamentos feitos pelo aprendiz. É possível, e muitas vezes provável, que o público de uma ação educativa tenha uma ideia distorcida e mal informada sobre seu próprio gap de desempenho, suas necessidades e atual qualidade de competências. Cabe ao designer, como especialista, agir como consultor e sondar as colocações trazidas pelos aprendizes, cruzando informações, checando e validando. O ponto de equilíbrio está entre descartar os inputs e experiências dos próprios aprendizes e aceitá-los integralmente com confiança cega na capacidade na infalibilidade das colocações. O designer da aprendizagem precisa valer-se de métodos e técnicas que o possibilitem atuar entre esses dois opostos e, assim, valorizar o segundo princípio da andragogia.

Desafios especiais da área de aprendizagem, a partir deste princípio

  • A área de learning precisa personalizar ou desenvolver com profundidade, as necessidades de desenvolvimento sentidas pelo público de um projeto educacional. Isso requer o emprego de métodos, técnicas e ferramentas específicas e adaptadas à cultura da organização para construir essa inteligência de dados, com diversas bases simultâneas (e.g., dados vindos das percepções dos aprendizes e dados vindos de indicadores de produtividade; o cruzamento entre essas informações fornece ao designer uma imagem muito mais ampla e fiel sobre os reais objetivos de aprendizagem do que o olhar para uma fonte única).
  • Outro desafio da área de learning é o de planejar a ação educacional utilizando métodos que valorizem a participação dos aprendizes (validando, assim, o seu autoconceito) enquanto, ao mesmo tempo, cria situações de aprendizagem com um currículo definido que satisfaça às necessidades do projeto. Neste ponto a maioria dos departamentos de learning fracassa miseravelmente.

Segredos especiais e ninja hacks ligados a este princípio

  • Crie excelentes relacionamentos com a liderança e torne-se parceiro do RH. Com o apoio dos líderes e do RH você pode conseguir incumos valiosos como resultados de feedbacks e avaliações de desempenho. E esses resultados servem como fonte para determinar os objetivos de aprendizagem, cruzando com as percepções trazidas pelos aprendizes. O público alvo pode estar relatando uma certa necessidade enquanto suas avaliações de desempenho mostram que os futuros participantes da ação estão indo muito bem nas competências que relataram estar defasadas. Isso pode indicar, por exemplo, que a organização tem um processo b elaborado capaz de garantir resultados mas os profissionais envolvidos não saberiam desenvolver suas tarefas caso o processo precisasse mudar; ou pode significar que os aprendizes estão inconscientes sobre suas reais necessidades, pois apontam uma quando, na realidade, precisam de outro set de competências. Buscando dados do RH e das lideranças o Learning tem duas ou mais fontes de dados para tomar decisões assertivas sobre os objetivos de aprendizagem.
  • O departamento de treinamento precisa ter profissionais que saibam distinguir entre metodologia, método, técnica e ferramenta para que possa garantir, por um lado, o cumprimento de objetivos educacionais e, por outro, utilizar formas de valorizar e usufruir das experiências dos próprios aprendizes.
  • Use os próprios aprendizes como SMEs (Subject Matter Experts). Poucos treinadores conseguem vislumbrar a potencialidade das riquezas de aprendizagem que têm na sua própria frente: os aprendizes. Eles, em conjunto, têm um número de competências que, ao serem compartilhadas entre si, fornecem subsídio riquíssimo na forma de conteúdo - trazendo como efeito colateral até mesmo o desafogamento do learning. Como exemplo, os próprios aprendizes podem construir um manual de procedimentos sobre determinada atividade, pois eles são os que melhor sabem sobre esses procedimentos. Ao mesmo tempo, o manual produzido por eles será realista, será compreensível para todos, será compartilhado e trará o engajamento ativo do aprendiz - o que equivale a, literalmente, valorizar seu autoconceito. Essa abordagem de concepção bottom-up tem sido empregada por departamentos de aprendizagem de ponta para a criação inteligente de conteúdo, para promover o engajamento dos aprendizes e para otimizar seus próprios recursos.

Conclusão

Os adultos têm um autoconceito definido, baseado, em grande parte, em sua autonomia e capacidade de tomar os caminhos que julgarem melhores. Embora esse autoconceito não implique, imediatamente, em um público de aprendizes maduro e autodirigido, ele certamente norteia as ações de design e implementação da aprendizagem, pois, como adultos, o papel de um trainer deixa de ser o de compartilhar informações para ser um mediador e facilitador da construção de competências.

No próximo artigo estudaremos o terceiro princípio andragógico, segundo Malcomn Knwles: A experiência do aprendiz.