Neste artigo vamos discutir o quarto princípio da educação de adultos: o princípio da prontidão para aprender.
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Princípio #4: Prontidão para Aprender
Malcolm Knowles preconizou o princípio andragógico de que, para aprender algo, um adulto precisa enxergar a aplicabilidade imediata, concreta, e em um contexo real, daquilo que buscará aprender. Em outras palavras, o adulto se engaja em aprender aquilo que poderá ajudá-lo a solucionar problemas imediatos de suas vidas ou trabalho. O processo de aprendizagem não deve orbitar em torno de objetivos teóricos ou hipotéticos e abstratos. Ao contrário, deve ter uma aplicação que permita ao aprendiz realizar uma tarefa relevante para ele, em um contexto real de sua experiência de vida.
Como contraste, enquanto crianças têm maior capacidade para perseverar (em em alguns casos, até mesmo se envolver) em aprendizagens abstratas, como conceitos de matemática, física, química, etc., sem uma relevância prática aparente, adultos, em geral, têm essa capacidade severamente diminuída, pois suas vidas, atribuições e responsabilidades demandam de si um uso muito mais discriminado e eficiente de seu tempo, de sua energia, de seu esfoço. De fato, quando um adulto é obrigado a se envolver em um processo de educação, seus resultados de aprendizagem já diminuem, pois a compulsoriedade pressupõe uma violação do primeiro princípio: a Necessidade de Saber. Um adulto aprende aquilo que ele enxerga como relevante para ele e que o ajudará em objetivos de curtíssimo prazo.
Isso levanta a questão sobre a diferença entre aprender e estar presente em momentos de aprendizagem. Aprender é absorver uma competência nova ou aprofundar uma já existente, tornando possível uma cristalização visível e prática desta competência. Aprender é absorver uma nova informação, transformando-a em uma habilidade ou tarefa. Aprender é criar novas sinapses e estimular a neuroplasticidade. Por sua vez, estar presente em momentos de aprendizagem é simplesmente participar de algum processo ou momento educativo, mas sem o compromisso ou a disposição cognitiva para transformar em desempenho o estímulo educacional que se está recebendo.
É comum vermos em salas de aula, acadêmicas ou corporativas, adultos "presentes" em treinamentos, mas sem a menor possibilidade de que sua presença se materialize em aprendizagem. Estar presente em uma sala de aula não equivale a aprender um conteúdo, da mesma maneira que cursar uma faculdade não equivale a aprender uma arte ou ofício, ou da mesma maneira que ter um diploma ou certificado não equivale a ter a competência por ele simbolizada.
Enfim, para que a aprendizagem ocorra, é necessário que a prontidão para aprender seja uma variável implementada no design instrucional.
Implicações deste princípio para ações educativas
- É preciso que os designers se foquem em desenhar exeriências de aprendizagem que tenham relevância contextual para os aprendizes. A conteudização precisa ter relevância prática e imediata, as ferramentas didáticas precisam ser escolhidas tendo em mente um uso concreto, e as atividades precisam ser pensadas para simular situações reais. Qualquer desvio do conteúdo para o abstrato ou sem aplicação imediata deve ser evitado em favor de uma aprendizagem relevante.
- Deve-se ter em perspectiva que o uso de conceitos e abstrações podem ser coisas diferentes. Conceitos podem ser utilizados, pois fornecem estrutura teorética e embasamento para a prática inteligente e crítica de tarefas. Abstrações, porém, podem se tornar desvios dos conceitos para divagações infrutíferas sobre eles. Portanto, não devemos confundir o uso de conteúdos conceituais com o uso de propostas abstratas. O uso de conceitos é necessário. A divagação em conteúdos ou objetivos abstratos deve ser evitada.
Desafios especiais da área de aprendizagem, a partir deste princípio
- Um dos maiores desafios dos profissionais de aprendizagem nas organizações, para garantirem a utilização deste princípio andragógico, é o de definir os objetivos de aprendizagem corretamente. Objetivos de aprendizagem, por si só, já requerem experiência e expertise para serem desenhados. Mas objetivos de aprendizagem bem desenhados requerem um cuidado adicional, pois levam em consideranção uma aplicação concreta das necessidades de atuação, além de precisarem de um olhar de curadoria. No montante de opções de conteúdos com possibilidade de compartilhamento, e nas pressões das partes interessadas, é fácil submeter objetivos de aprendizagem diversos, mas não assertivos. A escolha e criação dos objetivos certos é crucial.
Segredos especiais e ninja hacks ligados a este princípio
- Uma excelente maneira de traçar objetivos e ações de aprendizagem que levem à prontidão para aprender é cruzar objetivos de aprendizagem aos objetivos do negócio, submetendo os primeiros aos últimos. O designer precisa realizar assessments precisos com os líderes das áreas, identificando os principais e mais significativos indicadores chave de performance, assim como os comportamentos que possam conduzir a esses resultados. Em outras palavras, é preciso casar muito bem objetivos de aprendizagem a objetivos de negócio. Esse cruzamento garantirá objetivos de aprendizagem que endereçam precisamente a prontidão para aprender.
- A possibilidade de aplicar imediatamente um conhecimento um conhecimento adquirido envolve a necessidades de desafios reais ou iminentes. Por isso, não adianta programar uma ação de aprendizagem para um público que não tem a perspectiva de usar imediatamente o que será construído. Um adulto precisa estar sob a iminência de precisar de alguma habilidade para sentir-se impelido a buscá-la e para estar pronto para aprendê-la.
- Muitas vezes é possível que um público precise aprender algum conteúdo, e que até mesmo haja a iminência de uma aplicabilidade prática para este conteúdo, mas este público não entenda ou não reconheça essa usabilidade, e isso prejudique sua aprendizagem. Casos como este apontam para uma deficiência na comunicação da ação educativa - é preciso que a comunicação anterior à ação, e até mesmo durante ela, seja assertiva em "vender" o uso prático e iminente da habilidade que se precise desenvolver. É preciso que a comunicação do treinamento (e sobre o treinamento) consiga transmitir a relevância e a urgência das necessidades de aprendizagem. Portanto, um curso ou programa de desenvolvimento deve vender não a aprendizagem, nem a habilidade que se há de construir com ela, mas a ação prática que o aprendiz conseguirá desempenhar após ter passado pelo programa. Por exemplo um título que pode atrair e comunicar bem a importância de um treinamento sobre técnicas de rapport e vendas por telefone pode ser: Como Conquistar Novos Clientes e Vender Mais, ao invés de: Técnicas de Rapport para Ligações de Vendas. O título anterior consegue vender melhor o conteúdo e a necessidade de se fazer este treinamento, pois ao invés de comunicar as características do que se há de desenvolver, busca vender os resultados que o aprendiz vai conseguir, se cursar o treinamento. Se a comunicação gerar maior interesse, certamente a aprendizagem será potencializada.
A prontidão para aprender é um princípio essencial da andragogia de Knowles. Este princípio nos permite calibrar e desenhar ações educacionais que atraiam os aprendizes, que conecete os seus interesses e emoções aos objetivos de aprendizagem, e que, em última instância, resulte em aprendizagem real, e não apenas o pseudo-consentimento intelectual aparente em ações mal planejadas.
Paulo é apaixonado por aprendizagem e atua como mentor de trainers e profissionais da educação corporativa. É também speaker e articulista sobre educação adulta, autodesenvolvimento, liderança e habilidades comportamentais. Possui especialização em andragogia e design instrucional. Como people enabler de orientação humanista, além de trabalhar em projetos de aprendizagem organizacional, atua individualmente com pessoas em processos de coaching. Compartilhe este artigo no LinkedIn e em suas redes pelos botões abaixo!